Para astronautas, maior desafio não é ir ao espaço, mas
voltar
Poucos seres humanos têm a possibilidade de deixar a Terra.
A viagem ao espaço, seja para uma volta na Lua ou vivência na Estação Espacial
Internacional, é o ápice da carreira dos astronautas. Alguns dedicam a vida
inteira a esse objetivo. Mas muitos dos que realizam esse sonho descobrem que o
retorno à Terra pode ser tão difícil quanto a partida.
Em entrevista coletiva em 2009, no Rio de Janeiro, Buzz
Aldrin, o segundo homem a pisar na Lua, revelou: "Não demorou para eu
descobrir que o desafio para mim não era ser um operador indo à Lua. Era voltar
e ser uma pessoa aqui na Terra". Quarenta anos antes, no dia 20 de julho
de 1969, Aldrin desceu as escadas do módulo lunar e declarou: "Linda,
linda. Desolação magnífica". A frase inspirou o título de sua última
autobiografia, "Desolação magnífica: a longa jornada da Lua para
casa", de 2009. Nela, Buzz descreve o grande vazio enfrentado após o
retorno à Terra e questiona: "O que um homem pode fazer como segundo ato
depois de andar na Lua?".
Além de todo o esforço para chegar aonde nenhum homem havia
ousado e da pressão política inerente ao tamanho da tarefa que se divisava, o
astronauta teve de enfrentar um drama familiar no período que antecedeu a
chegada à Lua: sua mãe, Marion Moon, atormentada por uma depressão e pela
iminência da fama do filho, cometeu suicídio um ano antes do pouso histórico da
Eagle. Depois de conquistar a Lua e ver seu casamento de 21 anos fracassar,
Aldrin também cedeu à depressão - e à bebida. Na palestra realizada na Campus
Party Brasil 2013, em São Paulo, no dia 29 de janeiro, desabafou: "Eu não
tinha previsto o tamanho da notoriedade que a missão me traria. Foi nessa época
que comecei a beber, e os sintomas da depressão começaram a aparecer. Foi um
período obscuro da minha vida. Quase uma década de improdutividade".
De acordo com o astronauta, ir à Lua não é tão desafiador
quanto voltar à Terra e ter de lidar com o restante da humanidade. Quem parecia
concordar era o seu colega de viagem, Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar
na lua, que morreu aos 82 anos, em agosto de 2012. Logo após a saga da Apollo
11, o astronauta retirou-se da Nasa e passou a viver recluso, aparecendo
somente em solenidades do governo sobre a exploração espacial.
Por mais que tentasse se manter longe dos holofotes,
Armstrong era bastante assediado por aqueles que não acreditavam que o homem
tivesse pisado na Lua. Em 1994, parou de dar autógrafos e tirar fotos ao
descobrir que eles eram vendidos em sites de leilão por até US$ 50 mil. Nesse
mesmo ano, processou uma empresa de cartões de crédito dos EUA por usar sua
histórica frase "Um pequeno passo..." em cartões e decorações de
Natal. Em 2005, processou seu barbeiro de mais de 20 anos por vender mechas de
seu cabelo por US$ 3 mil.
Os integrantes da Apollo 11 não foram os únicos a enfrentar
um retorno à Terra transformador. James Irwin, oitavo homem a pisar na Lua, na
Apollo 15, que morreu em 1991, afirmou sentir a presença de Deus mais forte do
que nunca durante a viagem espacial. Ao retornar ao nosso planeta, tornou-se um
fanático religioso. Deixou a Nasa, em 1972, e fundou a missão cristã High
Flight, com a qual afirmava: "Jesus andando sobre a Terra é mais
importante do que o homem andando na Lua". No ano seguinte, comandou
diversas expedições ao Monte Ararat, na Turquia, na esperança de encontrar os
restos da Arca de Noé. As buscas se mostraram infrutíferas e, na última
expedição, Irwin se feriu gravemente, retornando aos EUA.
Outro astronauta que teve uma experiência intensa em seu
regresso foi Edgar Mitchell, tripulante da Apollo 14 e sexto homem a pisar na
Lua. Ele descreve assim a sua "expansão de consciência": "Na
volta para casa, olhei pela janela, e é uma experiência poderosa ver a Terra
surgindo sobre a Lua. E subitamente percebi que as moléculas do meu corpo e as
moléculas da espaçonave foram concebidas por uma geração antiga de estrelas. Em
vez de ser uma experiência intelectual, foi um sentimento pessoal. Aquelas eram
minhas moléculas. Isso foi acompanhado por uma sensação de alegria e êxtase que
me levaram a perguntar: 'O que é isso?'. Depois de voltar, pesquisei e descobri
que aquela experiência, em sânscrito antigo, se chamava 'Samadhi'. É uma
experiência transformadora". A narrativa foi retirada de uma entrevista
para o site do Instituto de Ciências Noéticas, fundado pelo astronauta em 1973,
para estudar a consciência e a intuição.
Essa expansão da consciência e mudança de prisma levaram o
cientista e entrar em conflito com a Nasa. Mais de uma vez, ele deu entrevistas
afirmando que óvnis avistados eram mesmo de extraterrestres e que essas
informações eram acobertadas pelo governo. Em 23 de julho de 2008, Mitchell, em
entrevista à Kerrang Radio, da Inglaterra, disse que o acidente de Roswell fora
realmente protagonizado por extraterrestres. "Fui muito privilegiado em
ter estado num grupo restrito que sabia que temos tido visitas em nosso planeta
e que o fenômeno óvni é real. Existem extraterrestres, e muitos óvnis têm
visitado a Terra e realizado contatos de terceiro grau com funcionários da
Nasa", relatou.
Dois anos mais tarde, o governo americano entrou com um
processo contra Mitchell ao descobrir que ele havia colocado a leilão uma
câmera usada pela tripulação da Apollo 14. O ex-comandante da Nasa teve de
devolver a câmera, que passou a integrar a exposição do Museu Nacional Aéreo e
Espacial, em Washington. Esse é um embate recorrente entre astronautas e a
agência espacial americana, pois todos os objetos utilizados durante as missões
são de posse do governo. Em 2012, Jim Lovell, da Apollo 13, tentou leiloar um
caderno de anotações, mas foi impedido pela agência.
A falta de perspectivas pode dificultar o retorno à Terra.
Por isso Marcos Pontes, o primeiro astronauta brasileiro a ir ao espaço, em
2006, não quer nem saber de se aposentar. "Nossa mente não foi feita para
ficar parada ou olhar simplesmente para o passado", explica.
"Precisamos de novos sonhos e metas. Certamente as condições do voo
espacial causam emoções, estresse, isolamento, novidade e desconforto físico.
Mas nós temos que encontrar sentido na vida depois de uma missão espacial. A
missão, embora seja um grande feito em qualquer situação, não é o ponto mais
alto da nossa vida", relata.
Depois de sua missão na Estação Espacial Internacional, o
astronauta brasileiro já escreveu três livros, deu centenas de palestras e
cursos, tornou-se embaixador da ONU e empresário. "É isso que faz com que
não tenhamos qualquer efeito psicológico negativo", revela. Astronauta na
ativa, à disposição do Brasil, Pontes sonha com o próximo voo e espera que isso
aconteça em breve, ressaltando que existem muitas possibilidades para isso.
Questionado sobre o futuro, o astronauta confidencia: "Espero muita coisa
do futuro, e isso vai afetar muito positivamente o Brasil e os brasileiros.
Espere e verá".