Há 540 anos nascia Copérnico, um dos pais da astronomia moderna
De olho em Marte e asteroides rasantes, a astronomia ganha
destaque no noticiário e ocupa, cada vez mais, um espaço central nos avanços e
esforços científicos do século 21. Não seria assim se um indivíduo nascido há
exatos 540 anos nesta terça-feira não fosse fascinado pelos céus.
O polaco Nicolau Copérnico (Torun, 19 de fevereiro de 1473 —
Frauenburgo, 24 de maio de 1543) recolocou o Sol em seu devido lugar, criou um
modelo heliocêntrico e forneceu o ponto de partida para a astronomia moderna.
Seu livro derradeiro, De revolutionibus orbium coelestium ("Das revoluções
das orbes celestes"), foi publicado em seu último ano de vida e ensejou a
chamada Revolução Copernicana.
A contribuição de Copérnico para a ciência é mais complexa
do que se supõe normalmente. Não se pode dizer que ele tenha criado a teoria do
heliocentrismo nem que tenha revolucionado sozinho a astronomia. De acordo com
Nigel Bannister, professor do departamento de Física e Astronomia da
Universidade de Leicester, no Reino Unido, o cientista não poderia ser
considerado "o pai da astronomia moderna", como muitas pessoas o
tratam. "Títulos assim são sempre problemáticos. Não há dúvida de que
Copérnico deu enormes contribuições à astronomia, e é certamente um dos
gigantes na história da astronomia como uma ciência moderna, mas existem muitos
outros que fizeram descobertas ou postularam teorias que são tão importantes
quanto. Eu tenderia a chamá-lo de um dos pais fundadores da astronomia moderna,
já que seu trabalho promoveu uma grande mudança na compreensão do sistema solar
e do nosso lugar no universo".
No século 16, época de Copérnico, a teoria de Ptolomeu, de
que a Terra encontrava-se no centro do universo, não era apenas observação
empírica, destituída de instrumentos apropriados, mas também de crença
religiosa. Para substituir o geocentrismo pela ideia de que era o nosso planeta
que girava em torno do Sol, o cientista e matemático polonês partiu de
fundamentos gregos propostos por Aristarco de Samos 1,8 mil anos antes.
"Como era praxe no renascimento, ele foi buscar nos clássicos gregos uma
inspiração", afirma Augusto Damineli, professor de pós-graduação do
Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de
São Paulo (IAG-USP). "Ele retomou a ideia de que seria mais natural que os
corpos menores girassem em torno do maior (o Sol). Remontou então esse sistema
que havia sido abandonado 250 anos antes de Cristo e colocou nele os avanços
dos sistema geocêntrico (excêntricos, epiciclos e deferentes)".
O polonês contribuiu para a ideia de Aristarco com relações
matemáticas que faltavam no trabalho original. "Mas, infelizmente, seu
argumento matemático estava errado", afirma Bannister. "Embora tenha
posicionado o Sol corretamente no centro do Sistema Solar, para reproduzir os
movimentos dos planetas em sua descrição matemática, ele manteve as órbitas
perfeitamente circulares que Ptolomeu havia proposto. Então Copérnico, assim
como Ptolomeu, ainda precisava usar epiciclos para explicar os movimentos dos
planetas. Seus epiciclos eram menores do que os de Ptolomeu, com certeza, mas
era a abordagem errada".
Mais tarde, Johannes Kepler descobriu que órbitas elípticas
eram a resposta para descrever os movimentos planetários. "A tal
‘Revolução Copernicana’ precisou de várias outras contribuições para
acontecer", explica Damineli. Assim, segundo ele, a mudança de paradigma
se deve ao resultado combinado da teoria de Copérnico com avanços posteriores,
de nomes como Kepler, Galileu Galilei, Tycho Brahe e Isaac Newton.
A igreja e o geocentrismo
A religião acompanhou Copérnico desde cedo. Órfão aos 10
anos de idade, o garoto foi criado pelo tio, então bispo de Ermland. Mais
tarde, uma de suas irmãs virou freira, e um de seus irmãos, padre. Já adulto,
Copérnico conciliou suas atividades como astrônomo, matemático e jurista com o
trabalho de cônego na Igreja Católica de Frauenburgo.
Paradoxalmente, as ideias de um cientista tão influenciado
pela igreja iam de encontro ao que a religião pregava. Para o catolicismo, a
Terra era o centro do universo. Tratava-se de suposição válida, contando os
instrumentos de observação disponíveis, a tendência ao antropocentrismo e uma
interpretação rígida da bíblia. Contudo, mesmo naquela época, Copérnico não era
uma voz única. Havia outros cientistas com ideias semelhantes, a quem o polonês
ofereceu leituras de sua teoria antes que ela fosse publicada.
Nova vida a uma ideia antiga
O livro De revolutionibus orbium coelestium veio a público
apenas em 1543, pouco depois da morte de Copérnico, aos 70 anos. Devido ao
falecimento do autor e a um capítulo inicial relativizando as posições
defendidas pelo cientista - supostamente escrito por outra pessoa, à sua
revelia -, o material não causou grande controvérsia. Assim, o astrônomo foi
poupado do fanatismo religioso que levou, no século 17, Galileu Galilei à
prisão.
Além de suas próprias e revolucionárias descobertas no campo
da física e da astronomia, Galileu defendia e aprimorava a visão de Copérnico,
em contraposição ao geocentrismo defendido pela Igreja Católica. Com essa
posição, foi conduzido aos tribunais da inquisição. Acusado e ameaçado, teve de
se retratar. O cientista estava certo, mas a igreja não concedeu tão
rapidamente. Somente 350 anos após a morte de Galileu, no dia 31 de outubro de
1992, o papa João Paulo II reconheceu os enganos cometidos pelo tribunal
eclesiástico.
Muito antes da inquisição, colocar a Terra no centro do mapa
espacial foi um erro. Já se teorizava que o nosso planeta orbitava o Sol antes
do nascimento do astrônomo polonês, em 1473. Mas os cálculos e a coragem do
cientista foram responsáveis por "dar nova vida a uma ideia muito antiga e
por sua adoção na ciência moderna", segundo Bannister. Hoje, depois de
muito tempo, apoiado pela astronomia e por cientistas como Copérnico, o homem
enxerga mais longe.
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