Aos 23 anos, Hubble vai ter de aguentar pelo menos até 2018
Um herói da exploração espacial faz aniversário nesta
quarta-feira. Lançado no dia 24 de abril de 1990, o telescópio espacial Hubble
é um sobrevivente. Tinha previsão inicial de durar pelo menos 10 anos.
Mas, aos 23, depois de revolucionar a astrofísica, revisar
conceitos de cosmologia, apresentar imagens deslumbrantes do universo e
responder questões até então intransponíveis, o pequeno explorador não vai
encerrar suas investigações. Pelo menos até a chegada de seu sucessor, o cem
vezes mais poderoso James Webb, que deve ser lançado em 2018.
Com o desenvolvimento de um substituto, o Hubble deveria ser
aposentado em 2013. Devido a cortes de verba da Nasa, contudo, o lançamento do
telescópio espacial James Webb ainda vai demorar cinco anos. Assim, para
resistir mais um pouco, o explorador contou com a ajuda de astronautas que o
visitaram em 2009, na quinta e última missão de manutenção do telescópio.
Essa manutenção derradeira, que envolveu até a troca de
baterias de 18 anos de idade, além da implementação de diversos componentes,
deu resultado. "Com os novos instrumentos instalados apenas quatro anos
atrás, o Hubble tornou-se mais poderoso do que nunca, cientificamente.
Esperamos que o telescópio possa continuar trabalhando nos anos que antecedem a
chegada do próximo telescópio espacial, e até além disso", destaca
Jennifer Wiseman, cientista sênior do Projeto do Telescópio Espacial Hubble, da
Nasa.
Descobertas
O Hubble revolucionou a astronomia com suas imagens
impressionantes do universo e descobertas. Orbitando a Terra por mais de duas
décadas, o telescópio ajudou a determinar a idade do universo, detectou que o
nosso universo está em expansão acelerada, indicou a presença de buracos negros
na maioria das galáxias, inclusive na nossa, e revelou respostas a muitos
outros mistérios até então insondáveis.
Ao longo de sua jornada, o Hubble desvelou nuances
inesperadas do universo. "O Hubble proporcionou ao homem a visão de
regiões muito, mas muito distantes da nossa própria galáxia, coisa que não
existia antes. Nem nos nossos sonhos mais delirantes conseguiríamos imaginar um
universo tão incrível e fascinante como o que o Hubble nos revelou",
salienta Antonio Gil Vicente de Brum, professor e pesquisador do curso de
Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Além de deslumbrar os terrestres, o Hubble ampliou a
investigação sobre a origem e as características do universo. Por meio de seus
dados, cientistas determinaram que a idade do universo é de cerca de 13,7
bilhões de anos. O telescópio espacial também constatou que a expansão do
universo está em aceleração. "O Hubble permitiu a detecção de estrelas
pulsantes em outras galáxias e, através delas, a medição do fator de crescimento
do nosso universo e a determinação de distâncias a supernovas do tipo Ia, que
indicaram que nosso universo está em expansão acelerada, indicando a presença
de um componente de energia desconhecida no universo, a energia escura",
explica Telles.
O Hubble também determinou que a maioria das galáxias tem
poderosos buracos negros em seus centros, incluindo a nossa própria Via Láctea.
Ele possibilitou estudar como as galáxias, as estrelas e os sistemas
planetários se formam. Além disso, descobriu várias luas previamente
desconhecidas de Plutão e foi o primeiro telescópio a analisar a composição
química de um planeta fora do nosso Sistema Solar.
Júpiter
Fora essas, e tantas outras conquistas, Brum aponta ainda a
sequência de imagens obtidas pelo Hubble, em 1994, como uma das descobertas
mais importantes. "Fiquei de boca aberta, babando, quando assisti à
colisão do cometa Shoemaker-Levy 9 com o gigante Júpiter. Essa foi uma das
coisas mais inacreditáveis que já vi e que me ensinou muito à respeito de quão vulnerável
é a Terra e quão importante é a proteção que Júpiter nos oferece", relata.
Além disso, o professor da UFABC destaca a popularização da
ciência como uma das principais contribuições do Hubble. "É isso que gera
um interesse crescente das pessoas por conhecimento científico genuíno e pela
ciência, em geral", pontua.
Primeiros passos
A ideia para um telescópio espacial surgiu já em 1923, a
partir do cientista alemão Hermann Oberth, considerado um dos criadores dos
foguetes. O projeto do Hubble começou a ser idealizado em 1946, após artigo do
astrofísico americano Lyman Spitzer, que apontava as vantagens de um
observatório espacial. Desse momento em diante, Spitzer trabalharia para tornar
o telescópio uma realidade.
O astrofísico esteve envolvido com os observatórios em
órbita da época e auxiliou a Nasa na aprovação do projeto do telescópio
espacial, em 1969, que teria um espelho de 3 metros de diâmetro e seria lançado
em 1979. Entretanto, devido às dificuldade de conseguir financiamento, o
tamanho do espelho foi reduzido para 2,4 metros, e um novo projeto foi
começado. Em 1975, a Agência Espacial Europeia (ESA) passou a trabalhar junto
com a Nasa. Finalmente, veio à tona o esboço do telescópio espacial Hubble.
O telescópio recebeu esse nome em homenagem ao astrônomo
americano Edwin Hubble (1889-1953), que revolucionou a astronomia ao constatar
a presença de outras galáxias e provando que o universo estava se expandindo.
Depois de alguns atrasos, o lançamento do Hubble foi agendado para outubro de
1986, mas o acidente com o ônibus espacial Challenger, que matou sete
astronautas, adiou o sonho de enviar um telescópio ao espaço por mais quatro
anos.
Assim, em 24 de abril de 1990, o Hubble foi lançado a bordo
do ônibus espacial Discovery, abrindo uma nova era da exploração do universo.
Conforme José Eduardo Telles, doutor em Astrofísica pela Universidade de
Cambridge e pesquisador do Observatório Nacional (ON), do Rio de Janeiro, a
expectativa de resultados científicos vinham de todas as áreas da astronomia,
desde o Sistema Solar e seus planetas até a cosmologia. "O telescópio
tinha como objetivo realizar observações astronômicas em faixas espectrais
invisíveis ao homem, que é a radiação ultravioleta, como também na faixa do
visível, mas com uma nitidez de imagens muito melhor, por estar fora do efeito
destrutivo da turbulência de nossa atmosfera", salienta.
Expectativa de vida
Quando o Hubble foi lançado, a previsão inicial é de que o
telescópio operasse por pelo menos 10 anos. Entretanto o Hubble está em órbita
há 23 anos, em plena forma, e deve aguentar firme por mais cinco. A razão disso
é que o telescópio foi projetado para receber a visita de astronautas, de
tempos em tempos, para manutenção. Durante suas operações, o Hubble foi
visitado cinco vezes, a última delas em 2009. "Os astronautas têm sido
capazes de colocar novos instrumentos e reparar outros instrumentos com
defeito, tornando-o como um telescópio novo a cada vez", explica Jennifer.
Falha no espelho
A equipe de manutenção do telescópio Hubble provou sua
importância quando, logo após o lançamento, se percebeu que as imagens não
estavam tão nítidas quanto se esperava - pareciam borradas. O problema, nomeado
de "aberração esférica", precisava ser solucionado. Após 11 meses de
treinamento, sete astronautas embarcaram no dia 2 de dezembro de 1993, a bordo
do ônibus espacial Endeavor, para uma complexa missão que corrigiria o
problema. Em 13 de janeiro de 1994, as primeiras imagens, com resolução excelente,
foram divulgadas pela Nasa. O Hubble estava pronto para captar imagens
impressionantes e auxiliar na exploração do espaço.
O sucessor
Previsto para ser lançado em 2018, o sucessor do Hubble, o
telescópio espacial James Webb, promete algumas mudanças. Com um espelho bem
maior, com 6,5 metros de diâmetro, seu alcance deve permitir encontrar as
primeiras galáxias que se formaram no início do Universo, ligando o Big Bang a
nossa galáxia. O James Webb também deve operar em uma órbita mais alta. Enquanto
o Hubble fica a uma altitude de 600 quilômetros, seu substituto deve se situar
a 1,5 milhões de quilômetros da Terra.
Outro diferencial é que o novo telescópio espacial terá
operação otimizada na faixa específica do infravermelho, ao contrário do
Hubble, que opera na faixa do visível e um pouco no infravermelho e
ultravioleta. "O James Webb é especialmente adequado para observação dos
momentos primordiais do nosso universo (antes do que o Hubble vê)",
justifica Brum.
Para Telles, a maior esperança é que o telescópio James Webb
contribua para determinar a natureza da matéria escura e também da energia
escura. "De qualquer maneira, é certo que, da mesma forma que ocorreu com
o Hubble, a maior parte de descobertas serão inesperadas e espetaculares, além
de nossas expectativas", imagina.
Mas enquanto o James Webb, cem vezes mais poderoso, não
assume o seu posto, a Terra ainda se surpreende com o pequeno Hubble. Até 2018,
há muitos segredos para desvendar.